VARIABILIDADE DE LONGO TERMO DE COMPONENTES DE MARÉS E DO NÍVEL MÉDIO DO MAR NA COSTA BRASILEIRA



Joseph Harari - Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo. Cidade Universitária, Butantã.. CEP 05508 – 900. Tel 55 11 3091 6576. E-mail joharari@usp.br.

Carlos Augusto de Sampaio França - Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo. Cidade Universitária, Butantã.. CEP 05508 – 900. Tel 55 11 3091 6576. E-mail cafrancai@usp.br.

Ricardo Camargo - Instituto Astronômico e Geofísico. Cidade Universitária. Butantã. CEP 05508-900. Tel 55 11 3091 4683. E-mail rcamargo@usp.br.



RESUMO

A recuperação e análise do presentes dados de nível do mar de portos com o Belém, Recife e do porto de Santos só foi possível através de auxílio da Fundação de Amparo a Pesquisas do Estado de são Paulo . Através desse auxílio, foi possível contratar técnico de nível médio, de forma a que fosse possível recuperar os dados de nível do mar produzidos em registros em papel pelo Instituto Nacional de Pesquisas Hidroviárias, em anos anteriores, dos portos de Belém e de Recife que poderiam eventualmente ser perdidos devido a decisão governamental de interromper os serviços de maregrafia. Os dados do porto de Santos produzidos pelas autoridades portuárias também foram digitados e preparados para análise. Os resultados das análises desses registros são agora apresentados, indicando que existem na atualidade variações decrescentes das componentes de marés como a M2 e a S2 nos portos analisados, associadas a fenômenos, provavelmente locais, ainda não claramente entendidos . Por outro lado, os valores das tendências de variação do nível do mar de longo termo desses portos estão em consonância com a variabilidade até agora registrada no porto de Cananeia e indicam que variações com mesma razão de variação, cerca de 40 cm/século ,pode estar ocorrendo em toda costa Brasileira.



ABSTRACT

The recovery and analysis of present sea level data from ports of Belém, Recife and the port of Santos , Brazil, was only possible through a grant from the FAPESP (Fundação de Amapro a Pesquisas do Estado de São Paulo). With the grant it was possible to contract the work of a technician, so that to have digitized the sea level records from these ports, originally produced by the Instituto Nacional de Pesquisas Hidroviárias (INPH) for Belém and Recife years ago. The data were endanger of being lost due to the discontinuation of the service by the Federal Government. Data from Santos were produced by the harbor’s authorities and were also reduced by digitization. Results of the analyses of these records are now being presented. They indicate that there exist in the present days, decreasing variabilities of the tidal amplitude of components, such as the M2 and the S2 in the ports analyzed, which are probability associated to local phenomena not yet not clearly understood. On the other side values of trends of relative sea level of Recife and Belém in the North are in consonance with the port of Cananeia in the South and show nearly the same rate as 40 cm / century, indicating that this may be the rate of relative sea level increase which the entire Brazilian Coast is presently undergoing .



INTRODUÇÃO

Medições de maré tem sido regularmente realizadas ao longo da costa brasileira e tem fornecido informações de grande relevância sobre variabilidades de longo período em dois aspectos principais: o nível médio do mar e as ondas de maré.



O nível médio do mar é calculado através de filtragens matemáticas das séries temporais, de modo a eliminar as oscilações de curto período, tais como as marés diurnas, semidiurnas, terdiurnas, etc... Interesse especial se encontra nas determinações dos níveis médios mensais, sazonais e anuais, os quais, em geral, fornecem importantes indicações sobre variações hidrodinâmicas sazonais e tendências de longo período.



As ondas de maré são extraídas dos registros, através da determinação de suas amplitudes e fases, a partir da análise harmônica das séries temporais de observações com ênfase nas frequências de maré. Nesse caso, há interesse específico nas componentes semi-diurnas M2 e S2, correspondentes aos efeitos principais da lua e do sol respectivamente, os quais são predominantes no potencial gerador de maré.



Registros de maré de diversos portos da costa brasileira tem sido regularmente editados, filtrados e analisados, no Instituto Oceanográfico da USP (MESQUITA & HARARI, 1983; HARARI & CAMARGO, 1995); resultados de interesse serão a seguir apresentados, para dois portos na costa Nordeste / Norte - Recife e Belém (HARARI, CAMARGO & GORDON, 1994) - e dois na costa Sudeste - Cananéia e Santos (MESQUITA, HARARI & FRANÇA, 1995; HARARI & CAMARGO, OP. CIT.)



RESULTADOS e DISCUSSÃO

A Tabela 1 fornece os resultados dos registros analisados, o número de anos com observações e as tendências de longo termo do nível médio do mar e das amplitudes e fases das componentes M2 e S2 de maré.



TABELA 1


TENDÊNCIAS DECADAIS


de

anos

Nível médio

(cm/déc)

Amplitude da M2

(cm/déc)

Fase da M2

(°/década)

Amplitude da S2

(cm/déc)

Fase da S2

(°/década)

RECIFE

(1946-1987)

38

5.432

0.070

2.200

0.090

2.600

BELÉM

(1948-1987)

29

3.500

-1.100

0.600

-0.290

1.000

CANANÉIA

(1954-1990)

37

4.046

0.470

-0.370

0.531

0.160

SANTOS

(1944-1989)

46

1.132

-0.162

0.191

0.130

0.425



Os aspectos mais interessantes da tabela acima se encontram nos altos valores de elevação do nível médio do mar, principalmente o referente a Recife, que atinge 5.432 cm/década. Por outro lado, essas tendências devem ser cuidadosamente interpretadas, visto que são sobrepostas a oscilações de grande período, como pode ser observado na Figura 1, relativa às variações anuais do nível médio do mar em Recife. Ainda nesse porto, embora as amplitudes das componentes de maré M2 e S2 tenhas pequenas tendências decadais, suas fases apresentam as variações mais elevadas, com 2.2 e 2.6 °/década. O Porto de Belém também apresenta variações acentuadas do nível médio do mar, com 3.5 cm/década, mas nesse caso a M2 e a S2 possuem tendências significativas das amplitudes, embora negativas, com -1.10 e -0.29 cm/década (ver Figura 2, para a M2).



Dentre os portos analisados na costa sudeste brasileira, o Porto de Cananéia possui a maior variabilidade decadal do nível médio do mar, com uma taxa ligeiramente menor que a de Recife, de 4.046 cm/década; entretanto, as elevações de amplitude da M2 e da S2 são as mais expressivas, com 0.470 e 0.531 cm/década, respectivamente. Por outro lado, o Porto de Santos sofre uma acentuada influência de atividade humana, através de freqüentes dragagens, de modo que as tendências acima calculadas não refletem fenômenos essencialmente naturais; de fato, dentre os portos analisados, é o que apresenta a menor taxa de elevação do nível médio do mar, com apenas 1.132 cm/década; nesse porto, as taxas de aumento de amplitude das componentes de maré são também pequenas. Para efeito de comparação com os Portos da Costa Norte / Nordeste, e para novamente demonstrar a existência de significativas oscilações nos valores calculados, as Figuras 3 e 4 apresentam os valores anuais do nível médio do mar em Cananéia e da amplitude da M2 em Santos.



Grande esforço tem sido realizado no sentido de interpretar as variabilidades mostradas e correlacioná-las com outras variáveis geofísicas, como por exemplo, a temperatura da superfície da atmosfera (MESQUITA, HARARI & FRANÇA, 1995A; MESQUITA, HARARI & FRANÇA, 1996). De fato, se considera a elevação da temperatura da atmosfera, decorrente do efeito estufa, como o agente primário, o qual gera derretimento de gelo nas calotas polares e elevação do nível relativo do mar em latitudes tropicais e sub-tropicais; essa variação da coluna d’água, por sua vez, afeta a propagação das ondas de maré, produzindo variações de amplitude e de fase das componentes. Em conseqüência disso, se tem outros efeitos importantes, como por exemplo, alterações na rotação da Terra, com correspondentes variações na duração do dia.



CONCLUSÕES

Concluindo, as observações do nível do mar em períodos longos, da ordem de décadas, juntamente com cuidadosas edições, filtragens e análises das correspondentes séries temporais indicam que as componentes M2 e S2 estão diminuindo sua amplitude em alguns portos da costa brasileira e que o nível relativo do mar pode estar variando ao longo de toda a costa a razão de 40 cm/ século. Estes resultados podem resultar em importantes informações geofísicas e indicações de variações globais significativas na atualidade.



Figura 1 - Nível médio anual do mar em Recife.



Figura 2 - Valores de amplitude da M2 em Belém, a partir de análises de registros anuais.



Figura 3 - Nível médio anual do mar em Cananéia.



Figura 4 - Valores de amplitude da M2 em Santos, a partir de análises de registros anuais.



Agradecimentos.

O primeiro autor agradece á FAPESP (Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo) pelo auxílio concedido para a contratação de técnico necessário à realização da digitação dos registros em papel de nível relativo do mar dos portos de Belém, Recife e Santos e que tornou possível esta contribuição.



REFERÊNCIAS

HARARI, J. & CAMARGO, R. - 1995 - “Tides and mean sea level variabilities in Santos (SP), 1944 to 1989” - Relatório Interno do Instituto Oceanográfico da USP, n° 36, 15 p.



HARARI, J. & CAMARGO, R. & GORDON, M. - 1994 - “On tides and mean sea level of Recife (8° 3.3' S 34° 51.9' W) and Belem (1° 26.2' S 48° 29.6' W)” - artigo publicado no Afro-America Gloss News, Revista do Global Sea Level Observing System (GLOSS), patrocinada pela Comissão Oceanográfica Intergovernamental (COI), vol. 1 (2), p. 9 - 12.



MESQUITA, A. R. & HARARI, J. - 1983 - “Tides and tide gauges of Cananéia and Ubatuba - Brazil (lat. 24°)” - Relatório Interno do Instituto Oceanográfico da USP, n° 11, 14 p.



MESQUITA, A. R. & HARARI, J. & FRANÇA, C. A. S. - 1995 - “Interannual variability of tides and sea level at Cananéia, Brazil, from 1955 to 1990” - Publicação Especial do Instituto Oceanográfico, Universidade de São Paulo, n° 11, p. 11 - 20.



MESQUITA, A. R. & HARARI, J. & FRANÇA, C. A. S. - 1995a - “Sea level variations in the Southern Brazilian coast: interdecadal scales” - artigo publicado no Afro - America Gloss News, Revista do Global Sea Level Observing System (GLOSS), patrocinada pela Comissão Oceanográfica Intergovernamental (COI), vol 2 (1), p. 6 - 7.



MESQUITA, A. R. & HARARI, J. & FRANÇA, C. A. S. - 1996 - “Global Change in the South Atlantic: Decadal and Intradecadal Scales” - Anais da Academia Brasileira de Ciências, vol. 68 (Supl. 1), p. 109 - 115.



NOTAS SOBRE OS AUTORES



Joseph Harari é Físico pelo Instituto de Física da Universidade de São Paulo e Professor Associado no Departamento de Oceanografia Física do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo, onde é especializado na resolução numérica das equações hidrodinâmicas e análise de Marés.



Carlos Augusto de Sampaio França é Físico pelo Instituto de Física da Universidade de São Paulo e Doutor em Oceanografia Física no Instituto Oceanográfico da Universidade de Paulo, onde exerce as funções Físico. È especializado no tratamento e análise de medições altimétricas do mar produzidos pelo satélite TOPEXPOSEIDON e solução das equações hidrodinâmicas no Atlântico Equatorial e Sul.

Ricardo Camargo é Físico pelo Instituto de Física da Universidade de São Paulo e Doutor em Ciências Atmosféricas pelo Instituto Astronômico e Geofísico da Universidade de São Paulo. É especializado na solução numérica das equações hidrodinâmicas da interface ar-mar.